PPPs já movimentaram R$ 210 bilhões. E devem ganhar fôlego com novo marco legal

PPPs já movimentaram R$ 210 bilhões. E devem ganhar fôlego com novo marco legal

O cenário de obras de infraestrutura no País tem avançado nos últimos anos graças a melhorias regulatórias, o que pode ser comprovado com o pipeline de leilões de concessões de saneamento, rodovias, portos e aeroportos, entre outros ativos.

O aumento de segurança jurídica para atrair investimentos privados também ajudou a consolidar uma alternativa para viabilizar obras e serviços públicos no Brasil: as Parcerias Público-Privadas (PPPs).

Regulamentadas há 21 anos, as PPPs têm atraído a atenção de gestores públicos e investidores para destravar investimentos em infraestrutura, em especial por parte de estados e municípios – propensos a lidar com orçamentos mais limitados e dificuldades fiscais, além de não dispor de um corpo técnico especializado, como o setor privado, para tocar alguns projetos de infraestrutura.

A diferença para o modelo de concessões é que nessas a remuneração do investidor privado é feita pelos usuários do serviço que o concessionário opera, enquanto que em uma PPP o aporte é só governamental.

De 2004 para cá, foram assinados 323 contratos de PPPs, destravando R$ 210 bilhões em investimentos. Só no ano passado, foram fechadas 50 novas PPPs, o maior número anual na série histórica, gerando mais de R$ 23 bilhões de investimento estimado, com destaque para 29 PPPs de iluminação pública e 11 concessões de resíduos sólidos urbanos – que lideram o ranking de contratos desse modelo.

O segmento deve ganhar novo impulso com o Projeto de Lei 7063/2017, que modifica a Lei das Parcerias Público-Privadas (Lei 11.079/2004), com o objetivo de facilitar a contratação de PPPs por estados, Distrito Federal e municípios. Aprovado na Câmara e em tramitação no Senado, o projeto deverá resolver problemas regulatórios e estimular investimentos.

O economista Gesner Oliveira, sócio da consultoria GO Associados, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e um estudioso do tema, atribui o crescimento de novos contratos de PPPs a dois fatores.

Um deles é o fim do preconceito ao modelo, pois a participação privada em projetos estatais era vista como danosa ao Estado, em especial nas duas primeiras gestões federais petistas.

“É uma ironia, pois a lei das PPPs surgiu no primeiro governo Lula, mas até 2010 e 2011, quando um município tentava organizar uma concessão privada, havia um movimento contrário no governo – que prometia usar orçamento federal”, afirma o economista.

Segundo Oliveira, também houve um amadurecimento ao longo dos anos, com o Poder Judiciário desenvolvendo uma jurisprudência favorecendo os contratos. Além disso, instituições como o BNDES e a Caixa Econômica Federal passaram a oferecer apoio técnico para estruturar projetos em municípios com menos capacidade operacional, o que contribuiu para ampliar o alcance das PPPs.

“Na área de água e esgoto, por exemplo, a PPP oferece contrato de longo prazo e o investimento privado libera recursos municipais em outras áreas, como educação e saúde”, diz ele.

Com isso, o viés contrário às PPPs foi perdendo espaço, com as parcerias passando a ser adotadas por governo estaduais e municipais, incluindo de gestões petistas.

“Hoje, até o Novo PAC passou a adotá-la, o que mostra a consolidação das PPPs”, diz o economista. Aliás, o próprio governo federal vem estimulando estados e municípios a fazerem a opção por PPPs para alavancar os projetos ligados ao programa.

Dos 134 projetos de infraestrutura dentro e fora do Novo PAC sob análise do BNDES, 24 são de PPP. O melhor exemplo da adoção desse modelo no programa do governo é o Túnel Santos-Guarujá – o primeiro túnel submerso do Brasil e o maior da América Latina.

O projeto, que é uma parceria público-privada, terá orçamento de R$ 5,8 bilhões, e contará com recursos da União, por meio do Novo PAC, e do Estado de São Paulo.

“O caso do Túnel Santos-Guarujá representa um marco importante ao demonstrar que, com uma estruturação técnica adequada, alocação eficiente de riscos e segurança jurídica, é possível viabilizar projetos de grande porte por meio de PPPs”, diz Ivana Cota, do escritório Ciari Moreira Advogados e especialista em contratos de infraestrutura.

“A formalização desse contrato reforça a confiança dos investidores no modelo e pode ampliar o uso de PPPs em empreendimentos de infraestrutura mais complexos e de maior escala”, acrescenta.

Municípios na mira

Guilherme Naves, sócio da consultoria Radar PPP, diz que o modelo já está sendo adotada em larga escala na administração pública de forma pulverizada.

“O mercado de PPP tem uma afinidade com municípios porque o modelo se adequa às obrigações que os prefeitos têm de entregar: iluminação pública, resíduos sólidos, limpeza urbana, além de construir escolas infantis e centros de atendimento à saúde”, diz. “Até pelo fato de existirem mais de 5 mil municípios, é natural que existam mais projetos de PPPs em escala municipal.”

Mesmo assim, ele destaca que os governos estaduais, como de São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Bahia e Mato Grosso têm aprovados muitos projetos.

Naves chama atenção para o boom recente de PPPs em infraestrutura social, voltadas para fazer gestão administrativa de escolas e hospitais. “Ficamos muito tempo presos no debate pelo mau uso da expressão ‘privatização’ para explicar o que estava acontecendo, pois PPP não tem nada a ver com privatização – sua função é melhorar a maneira como o governo interage com a iniciativa privada”, diz.

Levantamento feito pela Radar PPP mostra que o número de iniciativas de PPPs voltadas à prestação de serviços para escolas, creches e outras instituições de ensino cresceu quase oito vezes em 2024, na comparação com o ano anterior.

Só no ano passado, foram anunciadas 91 novas PPPs no segmento de educação, contra 12 em 2023. O levantamento considera projetos em fase inicial (intenção pública anunciada), em andamento (fases de modelagem, consulta pública e licitação), com contrato iniciado, paralisados e cancelados.

Um estudo do Ipea, do ano passado, confirma que o modelo de PPP aplicado na construção de escolas em Belo Horizonte (MG) possibilitou a conclusão das obras em quase metade do tempo habitual exigido pelo modelo tradicional – de 20 para 11 meses. Além de gerar maior previsibilidade na entrega e otimizar significativamente a gestão escolar, as PPPs permitiram que diretores dedicassem até 25% mais tempo às atividades estritamente pedagógicas.

Esse ganho levou o governo paulista licitar uma PPP para concessão administrativa dos serviços não pedagógicos de 33 novas unidades de ensino fundamental e médio, divididas em dois lotes (leste e oeste).

Mas uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo de fevereiro, suspendendo o decreto estadual n.º 68.597/2024, que autoriza a PPP de escolas, e uma sentença judicial de primeira instância em outra ação, desta vez uma Ação Civil Pública movida pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), gerou um quadro de insegurança jurídica em torno das PPPs sociais.

A sentença da Ação Civil Pública invalidou os dois leilões realizados pelo governo estadual, sob a fundamentação de que não se poderia dissociar o espaço físico da escola do projeto pedagógico, sem comprometer o modelo de gestão democrática previsto constitucionalmente.

Em março, o Supremo Tribunal Federal (STF) restabeleceu validade de decreto que autoriza parcerias para construção e manutenção de escolas em São Paulo. Em seu parecer, o ministro Luís Roberto Barroso verificou que a suspensão dos contratos pode causar prejuízos à política educacional do estado.

Novo marco legal

O caso paulista reforçou a necessidade novas ferramentas regulatórias para assegurar as PPPs. Especialistas em infraestrutura afirmam que o PL em tramitação no Congresso, se aprovado como está em seus principais pontos, servirá como novo marco regulatório das PPPs.

Entre outras inovações, a proposta muda regras para contratos entre governos e empresas privadas nas áreas de transporte, saneamento, energia e outras concessões de serviços públicos.

Um dos principais pontos do projeto é a chamada repartição objetiva de riscos, que prevê o compartilhamento das responsabilidades entre o poder público e a concessionária em situações imprevistas, como crises econômicas ou desastres naturais. A ideia é atrair investidores e evitar disputas judiciais.

Outra novidade é a concessão multimodal, que permite que uma mesma empresa opere serviços integrados, a exemplo de rodovias e centros logísticos, sem necessidade de nova licitação, desde que haja ganho de eficiência.

Oliveira, da GO Associados, espera que o novo marco elimine alguns gargalos que impedem o crescimento das PPPs. “Temos insegurança jurídica ligada à morosidade dos processos”, diz. “Agencias com papel-chave nas revisões contratuais e reajustes demoram para responder e isso afasta o investidor.”

Segundo ele, o PL está alinhado ao que o mercado espera. “Há preocupação em trazer agilidade nas revisões contratuais e em normatizar o step-in dos financiadores”, diz Oliveira, referindo-se ao direito que os investidores ou financiadores têm de intervir na gestão de um projeto ou empresa caso haja risco de inadimplência ou de que o projeto não seja concluído.

Para Naves, da Radar PPP, o PL é um gesto um importante do Legislativo para o mercado de infraestrutura. Mas aponta algumas críticas ao projeto de lei.

“A possibilidade de uso de melhor técnica como critério de julgamento de uma proposta de licitação é um problema”, adverte Naves. “A proposta do licitante é comparada não com base em critérios estritamente financeiros – como valor do aporte, etc -, mas pelo perfil técnico, isso não é normal na prática internacional.”

Para Fernando Gallacci, sócio de infraestrutura do escritório Souza Okawa Advogados, o projeto de lei trata de variados aspectos deste tipo modelo, buscando consagrar algumas das boas práticas que são discutidas há anos, ao passo que também incorporou alguns pedidos de estruturadores governamentais.

“No final das contas, pode-se afirmar que o projeto serve para endereçar gargalos e superar desafios; é o caso, por exemplo, do tratamento de receitas acessórias, ou então de tarifas para serviços indivisíveis”, aponta.

Mas, segundo ele, é igualmente verdade que o projeto acabou falando mais do que deveria em outros dispositivos, trazendo novos pontos de superação para quem atua no mundo de infraestrutura.

“Parece ser o caso de operacionalizar sem abuso as penalizações de reequilíbrio, ou então a atualização dos estudos caso a assinatura do contrato ocorra após 24 meses da publicação do edital”, enumera. “Como as regras são novas, ainda será preciso tempo para testar todas as inovações do PL.”



Fonte ==> ONU

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