Quem vai pagar o resgate de US$ 20 bilhões dos EUA à Argentina?

Quem vai pagar o resgate de US$ 20 bilhões dos EUA à Argentina?

Em apenas oito dias, o resgate de US$ 20 bilhões à Argentina – anunciado na semana passada pelo presidente americano Donald Trump – se converteu numa embaraçosa crise política nos Estados Unidos.

Nesta sexta-feira, 17 de outubro, o objetivo alegado por Trump de ajudar um aliado incondicional dos EUA, o presidente argentino Javier Milei, ficou para trás em meio a uma torrente de críticas de todos os lados.

Uma delas, da oposição democrata, advertindo que emprestar dinheiro a outro país é uma aberração enquanto os funcionários públicos americanos estão sem receber salários por causa do shutdown, a falta de acordo sobre o Orçamento no Congresso que paralisou o serviço público dos EUA.

Já economistas contestam o “presente” de Trump à Argentina, um país sob instabilidade cambial e com histórico de calotes. Os agricultores americanos também estão reclamando, lembrando que acabam de perder o mercado de soja na China justamente para os argentinos, cujo governo isentou as tarifas de exportações, barateando o preço da commodity.

Sobrou até para o secretário do Tesouro, Scott Bessent, ex-gestor de fundos de hedge com histórico de investimentos contra moedas de outros países, que passou a ser alvo de suspeitas de viabilizar ajuda à moeda argentina movido por interesses de investidores amigos no país sul-americano.

O primeiro anúncio de Trump, em 8 de outubro, foi visto inicialmente como um típico movimento de apoio político a Milei – um aliado incondicional dos EUA que enfrenta uma crise cambial que vem drenando as reservas internacionais do país e ameaça os ganhos de sua reforma econômica.

Ao receber Milei na Casa Branca na terça-feira, 14 de outubro, Trump reforçou que o objetivo era o de sustentar a moeda argentina com a ajuda – uma linha de swap de US$ 20 bilhões com o banco central da Argentina, na prática, um empréstimo, por meio do qual o Tesouro dos EUA trocará dólares por pesos.

“Só queremos ver a Argentina se sair bem”, disse Trump, ao lado do colega argentino. “Estamos ajudando uma grande filosofia a dominar um grande país, queremos que Milei tenha sucesso.”

O tom político adotado pelo presidente americano se explica pelo delicado momento por que passa Milei. Seu governo vem colecionando seguidos reveses, entre eles uma derrota na eleição da Província de Buenos Aires – a mais populosa e mais influente do país – em meio a um escândalo de corrupção envolvendo a irmã, Karina Milei, e uma crise cambial, ponto fraco de seu governo.

Fragilizado às vésperas da estratégica eleição de meio de mandato, na próxima semana, 26 de outubro, Milei aproveitou o apoio de Trump para tentar virar o jogo. Mas o presidente americano, já pressionado pelas críticas internas ao pacote generoso, avisou no mesmo encontro que, se Milei perder a eleição, os EUA deixarão de ajudá-lo.

Fator Bessent

O surpreendente anúncio de Bessent no dia seguinte, de que os EUA estão analisando outra ajuda para a Argentina, financiada por bancos privados e fundos soberanos, irritou a oposição.

“É inexplicável que o presidente Trump esteja apoiando um governo estrangeiro enquanto ele paralisa o nosso”, disse a senadora democrata Elizabeth Warren, citando os mais de 1 milhão de funcionários federais licenciados ou trabalhando sem remuneração.

O mal-estar com o apoio da Casa Branca ao país sul-americano agravou de vez na quinta-feira, 16, quando Bessent confirmou nas redes sociais que o resgate da Argentina está avançando de duas maneiras principais. Além do acordo de swap cambial de US$ 20 bilhões, Bessent também afirmou que o governo comprou “diretamente” uma quantia não revelada de pesos argentinos.

O anúncio assustou economistas. É apenas a quarta vez desde 1996 que os Estados Unidos compram moeda de outro país, de acordo com o Federal Reserve Bank de Nova York.

“A decisão do Tesouro de oferecer um ‘swap’ na Argentina é realmente um sinal de que Washington está disposto a usar suas ferramentas financeiras para fins políticos de maneiras que se afastam das normas passadas”, escreveram Heidi Crebo-Rediker, ex-economista-chefe do Departamento de Estado, e Douglas Rediker, ex-representante dos EUA no Fundo Monetário Internacional, em artigo no jornal britânico Financial Times.

Segundo eles, o resgate à Argentina não é urgente e está acontecendo em um momento difícil, que não justifica Trump usar bilhões de dólares de contribuintes americanos apenas para apoiar um de seus aliados pessoais.

Também chamou a atenção o meio utilizado para repassar o dinheiro para os argentinos – o Fundo de Estabilização Cambial, que detém dólares, moeda estrangeira e ativos do FMI controlados pela Secretaria do Tesouro dos EUA. O secretário do Tesouro tem ampla liberdade para decidir como utilizar esse fundo, que no final de agosto tinha um saldo líquido de cerca de US$ 43 bilhões – pouco mais da metade do que será repassado à Argentina.

“Gastar esse dinheiro na Argentina foi praticamente o uso mais arriscado que se possa imaginar do Fundo de Estabilização Cambial”, afirma Brad Setser, ex-funcionário do Tesouro e hoje consultor.

A Casa Branca alega que tentou vender a ajuda como uma aposta com retorno financeiro. No centro da estratégia está a subvalorização da moeda argentina — um país endividado cuja economia já precisou de mais de 20 resgates financeiros internacionais.

Se a jogada der certo e o peso se recuperar, os Estados Unidos poderiam lucrar adquirindo pesos que eventualmente valeriam mais e obtendo acesso em condições favoráveis aos recursos naturais da Argentina, que seriam os reais motivos por trás da operação. Se der errado, porém, os EUA correm o risco de acabar subsidiando mais um resgate fracassado para um país que já deu calote nove vezes na comunidade financeira internacional.

Amigos na mira

Bessent também entrou na mira dos críticos por causa dos laços da Argentina com alguns de seus antigos colegas do mundo financeiro.

Rob Citrone, um bilionário que já trabalhou com Bessent, tem investimentos consideráveis na América Latina e na Argentina, de acordo com documentos da SEC, a comissão de valores mobiliários dos EUA. O bilionário Stanley Druckenmiller — amigo de longa data de Bessent — declarou publicamente que investiu na Argentina após a eleição de Milei.

O secretário do Tesouro, porém, negou na semana passada que o acordo tivesse qualquer conexão com seus colegas de finanças, afirmando que “o clichê de que estamos ajudando americanos ricos com juros lá não poderia ser mais falso”.

O fato é que, pelo seu histórico, soa estranho Bessent apoiar uma operação de auxílio contra uma moeda em risco como o peso argentino. Como um dos principais investidores do filantropo liberal George Soros na década de 1990, Bessent causou impacto com uma aposta de US$ 10 bilhões na supervalorização da libra esterlina.

Essa aposta ajudou a “quebrar” o Banco da Inglaterra com operações devastadoras contra a libra. Em 2013, Bessent arrecadou US$ 1 bilhão para o fundo de Soros com uma aposta gigantesca contra o iene japonês.

Agora, em um movimento nada convencional e com poucos precedentes, Bessent está apostando bilhões de dólares dos contribuintes americanos em outro tipo de aposta cambial.

“O fato é que Trump e Bessent estão colocando sua reputação em risco, especialmente Bessent”, avisa Martin Mühleisen, ex-funcionário do FMI.



Fonte ==> NEOFEED

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