O Senado Federal aprovou em definitivo nesta terça-feira (2) a proposta de emenda à Constituição (PEC) 66/23. A medida autoriza o parcelamento e a rolagem indefinida de precatórios estaduais e municipais, retira os federais da regra fiscal a partir de 2026 e ainda reduz o índice de reajuste dos valores devidos.
Além das modificações em relação aos precatórios — dívidas reconhecidas pela Justiça que os governos têm com empresas e pessoas —, a PEC 66 estabelece novas regras para a negociação de dívidas de estados e municípios com o INSS.
Antes de ser aprovada nesta terça-feira, a proposta já havia passado pela Câmara e sido aprovada em primeiro turno no Senado, por ampla margem (62 votos a 4). Nesta terça, em segundo turno, contou com o aval de 71 senadores, contra 2.
A emenda só depende agora da promulgação pelo Congresso, uma mera formalidade. Como qualquer outro adendo à Constituição, ela não depende de sanção presidencial e entrará em vigor assim que for publicada.
Com a PEC 66/2023, dívida de precatórios deve virar “bola de neve”
Na avaliação do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), a aprovação da PEC 66/23 dificultará o processo administrativo, estimulará a judicialização em massa e agravará a crise fiscal e social.
“Trata-se de uma proposta que sacrifica a segurança jurídica, a responsabilidade fiscal de longo prazo e a justiça social no altar de uma conveniência orçamentária imediatista e ilusória”, diz relatório técnico do IBDP que analisa a medida.
Na visão do IBDP, a PEC é inconstitucional por violar cláusulas pétreas como a coisa julgada, a separação dos Poderes e a isonomia, além de reeditar mecanismos já rejeitados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) — leia mais adiante.
Para a seccional paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-Paraná), a PEC 66/23 compromete a eficácia das decisões judiciais e a segurança jurídica no país, além de criar um cenário de inadimplência estrutural.
De acordo com a entidade, com as novas regras da PEC 66/23, os pagamentos anuais de precatórios seriam insuficientes para cobrir as novas decisões judiciais, resultando em um crescimento exponencial da dívida pública.
Antes da aprovação da medida, o presidente da OAB Paraná, Luiz Fernando Casagrande Pereira, afirmou que, na prática, a PEC 66/23 acaba por institucionalizar o “calote permanente” de estados e municípios em relação a seus credores.
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Governo ganha espaço para gastar mais
Conforme mostrado pela Gazeta do Povo, ao retirar o pagamento dos precatórios do teto do arcabouço fiscal, a PEC abre espaço para que o governo federal amplie outros gastos sem comprometer a meta.
O arcabouço fiscal limita o aumento das despesas governamentais a 2,5% ao ano em termos reais, descontada a inflação. Com a aprovação da PEC, o pagamento dos precatórios deixaria de ser contabilizado dentro desse teto de despesas.
Além disso, a PEC ainda estabelece que os precatórios sejam reinseridos de forma gradual na meta de resultado primário do governo a partir de 2027. Nesse primeiro ano, só contará para a meta 10% do valor dos precatórios pagos. No ano seguinte, 20%. E assim por diante, até completar 100%.
Para 2025, a meta do primário é zero (nem superávit, nem déficit), mas com tolerância de 0,25% do PIB. A de 2026 é de superávit de 0,25% do PIB, com a mesma tolerância.
PEC contraria decisão do STF sobre retorno dos precatórios à contabilidade oficial
A PEC coloca em xeque a regra atual, segundo a qual 100% do dispêndio com precatórios retornaria à contabilidade oficial a partir de 2027, conforme decisão de 2021 do Supremo Tribunal Federal (STF).
Desse modo, a PEC evita que ocorra um “apagão orçamentário” na União. Segundo projeções, somado ao crescimento dos gastos obrigatórios e discricionários, o volume de precatórios comprometeria a capacidade operacional do governo já em 2027, ocupando o pouco espaço fiscal disponível. Faltaria margem, por exemplo, para cumprir os pisos constitucionais em áreas como educação e saúde.
Mesmo fora da meta, precatórios ampliam a dívida pública
Com a reinserção a conta-gotas dos precatórios na meta de resultado primário e sua exclusão permanente do limite de gastos do arcabouço fiscal, o governo consegue afastar o fantasma da paralisia da máquina. No entanto, mesmo fora das regras do arcabouço fiscal, os gastos com precatórios seguem afetando a dívida pública.
A dívida bruta do governo equivale a 77,6% do PIB, segundo os dados mais recentes do Banco Central, de julho. De acordo com a Instituição Fiscal Independente (IFI), caso siga a trajetória atual de crescimento, em 2035 a dívida pública pode atingir 124,9% do PIB – ou seja, será bem maior que a riqueza produzida pelo país em um ano.
Credores perdem com redução no índice de correção
Outro ponto que ainda beneficia os governos federal, estaduais e municipais é a redução da correção das dívidas com precatórios. Atualmente, essa correção é feita pela Selic, que está em 15% ao ano.
A PEC, no entanto, estabelece que a correção seja feita pelo IPCA (índice oficial de inflação) mais 2% ao ano. Atualmente, esse valor fica bem abaixo da Selic, o que traz mais uma perda para o credor, seja empresa ou pessoa física.
Segundo Luiz Fernando Casagrande Pereira, da OAB Paraná, a PEC afeta diretamente pessoas físicas e jurídicas que ganharam na Justiça o direito de receber valores dos estados e municípios.
“Os credores vão perder dinheiro ao esperarem nessa fila que hoje, no Paraná, por exemplo, está em 17 anos. Muitos morreram e muitos outros vão morrer na fila dos precatórios. Muitas empresas quebraram e outras vão quebrar na fila dos precatórios”, afirmou.
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Endividamento de estados e municípios deve se agravar
Outro ponto é que, ao permitir o parcelamento e a rolagem dos precatórios estaduais e municipais de forma praticamente indefinida, e estabelecer um limite máximo para o pagamento dessas dívidas, a PEC 66/23 não deixa de estimular que os entes subnacionais deixem de quitar essas pendências, direcionando recursos para outros gastos.
No caso do Paraná, por exemplo, a correção pelo IPCA + 2% ao ano — considerada a inflação de 2024 (3,8% + 2% = 5,8%) e somada ao limite anual imposto pela proposta para o pagamento de precatórios — faria com que a dívida estadual com precatórios saltasse, em uma década, de R$ 8,1 bilhões para R$ 19,8 bilhões.
PEC incentiva morosidade e judicialização em massa
Na avaliação do IBDP, a PEC incentiva a ineficiência ao estimular a manutenção da morosidade do INSS e a judicialização em massa, permitindo que até decisões judiciais transitadas em julgado sejam adiadas indefinidamente. Isso, segundo o IBDP, aumentará ainda mais a fila do INSS e dificultará o processo administrativo.
“O adiamento do pagamento cria uma ‘bola de neve’ da dívida, aumenta juros, compromete a solvência dos regimes previdenciários e ameaça futuras aposentadorias”, explica Diego Cherulli, diretor do IBDP.
Fonte ==> Gazeta do Povo.com.br