“Meu pai controla a minha vida, não me deixou estudar, trabalhar, escolher marido. Sou prisioneira dele a vida inteira. Não aguento mais, preciso contar todos os abusos.”
É assim que Najla Fares, 29, descreve a relação com o pai, Nasser, controlador da Marabraz, em petição apresentada por seus advogados em 29 de janeiro dentro da ação judicial na qual dois dos fundadores do grupo varejista tentam reaver as cotas da holding familiar doadas aos seus herdeiros.
O imbróglio societário pelo controle da LP Administradora de Bens, que agrega o patrimônio imobiliário da família estimado em R$ 5 bilhões, tramita na 2ª Vara Regional de Competência Empresarial e de Conflitos à Arbitragem de São Paulo.
É uma batalha familiar, que tem de um lado Nasser, homem forte do grupo, e do outro, os seis representantes da terceira geração dos Fares.
Em 2011, os três sócios fundadores, os irmãos Nasser, Jamel e Adiel transferiram suas cotas na holding para os respectivos filhos e filhas.
Assim, Najla, única herdeira de Nasser, passou a deter um terço da empresa; enquanto Jamel dividiu seu terço do negócio entre os filhos Karine, Abdul e Sumaya; e Adiel transferiu a sua terceira parte para os descendentes, Nader e Raquel.
Passados 14 anos, dois dos patriarcas, Nasser e Jamel, entraram com uma ação para reaver o controle da holding, alegando que a transação foi uma simulação de compra e venda numa tentativa de blindagem patrimonial diante de enorme passivo fiscal.
À frente da LP estão hoje os primos Abdul e Nader, descritos na ação como herdeiros perdulários com um estilo de vida nababesco que coloca em risco o patrimônio familiar.
Nos bastidores, desenrola-se um embate com desdobramentos na esfera criminal. Um inquérito policial apura denúncias feitas por Najla contra o próprio pai registradas em boletins de ocorrência na 15ª Delegacia de Polícia da capital.
Em 24 de janeiro, os advogados de Najla entraram com pedido de medida protetiva diante de “violências psicológicas, patrimoniais e morais” que teriam sido praticadas pelo genitor contra ela.
Descrita como refém durante toda a vida, a jovem acusa o pai de crimes de invasão de domicílio e registro não autorizado de sua intimidade.
“Meu pai mostrou o áudio… Na sala… Bizarro!!!”, descreve Najla em mensagem de WhatsApp anexada entre os documentos apresentados na denúncia. “Tô me sentindo exposta. Pelada. Invadida. Quero me enfiar em um buraco e não sair mais.”
Segundo a defesa de Najla, o pai, que é ex-presidente da Sociedade Beneficente Muçulmana no Brasil, tenta mantê-la sob seu domínio, valendo-se até de métodos ilegais e truculentos.
Aos 18 anos, a então estudante de direito iniciou namoro às escondidas com um brasileiro e cristão. “Nasser entrou em surto, agrediu fisicamente sua filha e quis impor o término desse relacionamento”, relatam os advogados na petição.
Diante do choque sofrido e das agressões cometidas por seu próprio pai, Najla teria passado 12 dias no hospital.
Na mesma época, a jovem conta ter vivido uma traumática tentativa de sequestro. “Acreditando estar correndo perigo, ela se convenceu que mudar para o Líbano era a melhor opção.”
Dez anos depois, Najla afirma ter descoberto, a partir da confissão de familiares próximos, que a tentativa de sequestro teria sido orquestrada pelo pai para que seus desígnios fossem atendidos.
A filha retornou ao Brasil noiva de um pretendente libanês escolhido por Nasser. Meses depois, Najla acabou o noivado para desgosto do pai, que teria feito até greve de fome.
Tal pressão psicológica a teria levado a aceitar se casar com um segundo pretendente. Najla reatou com Khayam Ghazzaoui, namorado da adolescência, muçulmano e com os mesmos princípios religiosos.
O casamento foi celebrado em dezembro de 2014. Quando ela decide se divorciar contra a vontade paterna no final de 2023, diz ter sofrido ameaça de perder a guarda dos três filhos.
Após o divórcio homologado em outubro de 2024, Nasser tenta cortar o sustento financeiro da filha com o pedido para reaver as cotas da LP, alegam seus advogados.
Esta seria a real motivação por trás do processo judicial que afeta também os primos e sócios, que se mantiveram ao lado da jovem, suscitando a ira do patriarca.
“A disputa que acabou por desaguar nesta ação teve estopim na separação de Najla, que elevou o desequilíbrio de Nasser a níveis inaceitáveis e trouxe à tona verdades antes ocultas”, descreve a petição.
Os defensores de Najla alegam que mesmo correndo o risco de exposição de temas altamente sensíveis e pessoais, ela faz questão de que todos os fatos estejam na mesa para assegurar que nova tentativa de coação paterna seja repelida.
Em depoimento qualificado como “estarrecedor” e registrado em ata notarial, ela revela violências físicas e psicológicas que teriam iniciado quando criança, “época em que seu pai costumava assistir filmes pornográficos ao seu lado, enquanto ela dormia na cama de seus genitores”.
Adulta e divorciada, a herdeira de Nasser conta ter tido seus passos monitorados por investigadores particulares. Foi alertada por familiares de que o pai orquestrava sua internação compulsória.
Frente à ameaça, Najla registrou boletim de ocorrência, realizou exames toxicológicos, com resultado negativo, e anexou um laudo psiquiátrico atestando sua sanidade mental.
“O plano de internação compulsória apenas não foi em frente porque a mãe de Najla não mais podia assumir uma posição passiva e contou à filha o estratagema”, alegam os advogados. “Confrontado por sua esposa, Nasser ainda saiu de casa e foi morar dentro de seu escritório nas Lojas Marabraz.”
Na mesma época, Najla recebeu mensagem anônima no celular a respeito de câmeras instaladas em um apartamento que mantém na zona sul da capital paulista.
Após averiguar pessoalmente a existência de dispositivos eletrônicos instalados na sala de estar e na suíte principal, ela foi orientada a fazer ata notarial e notificar o condomínio para esclarecer o acesso de terceiros não autorizados ao apartamento.
Uma vistoria em seu veículo, uma Porsche Cayenne, revelou a instalação de um rastreador, fato também atestado em ata notarial.
Ao ser confrontado pela filha, Najla diz que o pai teria cometido então o maior dos abusos, na presença dos sobrinhos, Nader e Raquel.
“Nasser puxou o celular e mostrou um áudio de Najla com seu namorado, obtido justamente da câmera escondida em seu apartamento”, descrevem os advogados.
São relatos que ultrapassam uma disputa societária, na avaliação da juíza Andrea Galhardo Palma, em despacho de 31 de janeiro, após audiência de conciliação infrutífera, realizada dois dias antes por videoconferência.
A juíza indeferiu o pedido de segredo de Justiça feito pelos advogados de Najla e mandou retirar essas páginas de relatos pessoais dos autos.
“A petição juntada de forma sigilosa pela corré Najla, bem como os documentos a ela anexados versam sobre fatos pessoais, íntimos e familiares passados, estranhos ao objeto da presente lide e à competência deste juízo especializado empresarial.”
Levadas também às autoridades policiais, as denúncias estão sendo apuradas em inquérito. Nesta quinta-feira (6), o pedido de medida protetiva foi concedido por uma juíza do Fórum Criminal da Barra Funda, em processo que corre em segredo de Justiça.
As alegadas condutas delituosas por parte de Nasser foram descritas em detalhes para mostrar que a integridade física de sua filha está em perigo. Foram anexados 21 documentos que comprovariam os supostos crimes.
Com mais de 6.000 páginas, o processo empresarial prossegue com um “já alto grau de litigiosidade entre as partes”, segundo a juíza.
Foi anexada à ação em 20 de janeiro uma declaração de Adiel, um dos três sócios fundadores da Marabraz, contestando a ação contra os herdeiros.
“Nunca, em momento algum, o negócio jurídico foi celebrado sob condição ou com pedido ou promessa de futura devolução das cotas da empresa; tampouco foi firmado com finalidade ilícita ou de enganar terceiros”, declara Adiel, que é médico e gere as Clínicas Fares, outro negócio da família.
Ele discorda que o filho Nader e o sobrinho Abdul sejam “administradores irresponsáveis”, conforme alega o irmão.
Adiel também esclarece que o irmão Jamel está afastado dos negócios por sua delicada situação de saúde. “Como médico, posso afirmar que ele não tem, atualmente, qualquer condição para a prática dos atos comuns da vida civil”, declara, ao questionar o fato de ele ser coautor da ação.
No final do ano passado, Abdul fez uma tentativa frustrada de interditar o próprio pai. Jamel, de 64 anos, chegou a fazer e depois retirou uma queixa-crime contra o filho por falsidade ideológica, já que o pedido de interdição foi feito na comarca de Simões Filho, na Bahia, usando documentos falsos para comprovar endereço.
Após a repercussão negativa, pai e filho desistiram das ações e posaram juntos para uma foto com a edição da Folha que revela a disputa societária e familiar em mãos.
Em mais um lance da batalha judicial, em 16 de dezembro, uma liminar decretou a indisponibilidade de todos os imóveis da holding até o fim do julgamento da ação.
Foi negado, no entanto, pedido de intervenção na administração da LP, mantendo a gestão da empresa nas mãos de Nader e Abdul.
Para justificar a retomada do controle da holding, é relatada no processo a “esbórnia dos herdeiros”. Na peça inicial da ação, os advogados de Nasser revelam que de 2022 até 2024 “Nader torrou nada menos do que R$ 21,4 milhões em despesas pessoais”.
Em 2023, o jovem que já foi apontado como affair da atriz e influencer Jade Picon comprou um avião Gulfstream, por R$ 30 milhões.
Já Abdul, que é noivo da atriz Marina Ruy Barbosa, teria gasto R$ 16,3 milhões de despesas pessoais no mesmo período, com viagens de jatinho e presentes como o anel de noivado de R$ 1 milhão.
“Os seis herdeiros conseguiram a proeza de, em menos de três anos, queimarem R$ 78,8 milhões em despesas pessoais”, diz a inicial. “E isso sem contar os valores milionários que eles já recebem das Lojas Marabraz.” Pagamentos que somam outros R$ 49,8 milhões.
É feita ainda uma comparação com as retiradas do trio de patriarcas. As despesas dos três irmãos somadas dos últimos três anos pagas pela LP representam cerca de 7% do valor total das despesas de seus filhos, comparam os advogados de Nasser.
A defesa dos seis herdeiros apresenta dados de que a holding vem sendo bem administrada e gerando resultados. Quanto aos gastos expressivos, argumenta que a família é bilionária e seu padrão de vida acompanha tal realidade. “Isto não é crime, não é imoral.”
Em nota enviada por sua assessoria, Nasser Fares afirma que “os fatos narrados na referida petição nada têm a ver com o objeto do ação que ele e Jamel movem contra seus filhos e sobrinhos. E, não por outro motivo, o magistrado determinou o seu desentranhamento dos autos do processo”.
Ele afirma ainda se tratar de tática diversionista dos réus, trazida à baila em local inadequado, e deverá ser enfrentada nos foros competentes.
“Além disso, repilo peremptoriamente as acusações feitas contra mim, porque são mentirosas e oportunistas, apresentadas agora, para demonstrar que minha filha e meus sobrinhos querem me descrever como um monstro mas não veem problemas de ficar com meus bens e o dinheiro”, diz Nasser.
Procurado pela Folha, o advogado José Luís Oliveira Lima, representante de Najla no processo criminal que corre em segredo de Justiça, não quis se manifestar.
Fonte ==> Folha SP