Seymour Hersh: o repórter que acabou com a Guerra do Vietnã

Seymour Hersh: o repórter que acabou com a Guerra do Vietnã

Veneza — Logo no início do documentário Cover-Up, o americano Seymour Hersh explica por que demorou tanto para aceitar rodar um filme sobre a sua trajetória como jornalista investigativo. Sim, foram praticamente 20 anos até ele aceitar falar para a câmera da dupla de cineastas Laura Poitras e Mark Obenhaus, em várias visitas ao seu escritório, em Washington.

“Vocês querem fontes, mas muitas das minhas fontes ainda estão vivas, o que me impede de revelar quem elas são”, afirma Hersh, conhecido pelas reportagens bombásticas, a partir de fontes sigilosas. Uma das mais importantes foi publicada em 1969, denunciando o massacre em My Lai, aldeia no Vietnã, o que foi determinante para mudar a opinião pública nos Estados Unidos. Até então, os americanos eram a favor do conflito armado.

Toda a jornada de Hersh, atualmente com 88 anos e ainda ativo na profissão, é resgatada no documentário que teve a sua première mundial nesta semana na 82ª edição do Festival de Veneza. Ainda sem data de lançamento no Brasil, a produção mostra um pouco do modus operandi do jornalista, ainda que ele relute em revelar como faz o trabalho que lhe garantiu o Pulitzer de melhor reportagem internacional.

O prêmio veio justamente com a exposição do massacre de civis durante a Guerra do Vietnã, provando que o governo americano mentia à população. Para “aumentar a contagem de corpos” na ala dos inimigos, o exército americano matou mais de 100 vietnamitas, em sua maioria mulheres, idosos e crianças, inclusive bebês.

E tudo começou com o telefonema de uma fonte. A partir da informação de que um oficial do exército americano seria julgado pela morte de civis no Vietnã, Hersh montou as peças do quebra-cabeça sozinho.

Ele viajou até uma base militar, em Fort Benning, na Georgia, para entrevistar o tal oficial. Na esperança de se safar, o tenente William Calley Jr. deu todos os detalhes sobre o massacre que comandou, afirmando apenas ter cumprido ordens.

“O que desvendei foi a descida ao inferno”, conta o jornalista, no filme, ao falar da onda de atrocidades cometidas pelo exército americano, já que o massacre de My Lai não foi um evento isolado.

A partir dessa denúncia, outros episódios de abusos e crueldades vieram à tona, revelando uma realidade diferente daquela que o governo pintava. Foi o que bastou para a guerra perder o apoio popular e, consequentemente, para o fim da mesma.

Ao longo de duas horas de filme, Cover-Up relembra outros momentos marcantes da carreira de Hersh. Entre eles, o escândalo de Abu Ghraib durante a Guerra no Iraque, que veio à tona em 2004, e a denúncia de que a CIA estava fazendo espionagem doméstica (apesar de a agência ter sido criada para espionar territórios e cidadãos estrangeiros), em reportagem publicada em 1974.

E praticamente todas as grandes exposições feitas pelo jornalista nasceram de informações dadas por fontes, conhecidas ou mesmo anônimas.

“Até hoje não sei por que as pessoas se abrem comigo. E procuro não analisá-las, assim como não faço autoanálise. Ainda assim, muitas vezes, percebo que as pessoas envolvidas em algo ruim acabam querendo falar”, comenta Hersh.

Laura Poitras venceu o Oscar 2015 com documentário sobre Edward Snowden (Foto: Jan Stürmann)

O jornalista dá entrevista em seu escritório, abarrotado de livros e de cadernos de anotações. Muitas vezes, no entanto, ele parece desconfortável com a presença dos cineastas, revirando o seu local de trabalho.

Embora tenha aberto a sua porta aos documentaristas, Hersh insiste que precisa manter as suas fontes anônimas, ameaçando desistir do documentário, caso a identidade de alguma delas seja revelada.

Em outro momento tenso do documentário, Hersh recorda o caso da correspondência forjada entre John F. Kennedy e Marilyn Monroe. Por pouco, ele não incluiu as cartas falsas no seu livro sobre o mandato de Kennedy, The Dark Side of Camelot, publicado em 1997.

Embora a fabricação da correspondência tenha sido descoberta a tempo (o que levou o golpista Lawrence Cusack III à prisão), o assunto deu munição aos inimigos do jornalista, que passaram a questionar a sua reputação de investigador.

Como se ele, na ânsia de contar uma história, pudesse forçar uma situação. “Mas eu jamais faria isso”, garante Hersh.

Em sua passagem por Veneza, Laura Poitras, vencedora do Oscar de melhor documentário em 2015, por Citizenfour, sobre Edward Snowden, disse que tende a escolher “encrenqueiros” como temas.

“São sempre pessoas que combatem os poderosos, como Hersh, Snowden, Julian Assange ou Nan Goldin”, diz, citando outras personalidades que destacou em seu trabalho. “São retratos individuais para mostrar como uma pessoa só pode ter um grande impacto na sociedade.”



Fonte ==> NEOFEED

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