A Segunda Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu na sexta-feira (12) que a taxa Selic deve ser o índice usado para corrigir dívidas civis e indenizações. A decisão foi unânime e seguiu o voto do relator, ministro André Mendonça.
A mudança se aplica a todos os processos cíveis em curso no país a partir de 2024, estimados em seis milhões, que envolvem desde contratos de serviços e empréstimos até ações de consumo e indenizações por acidentes.
O debate chegou ao STF depois de mais de 20 anos de indefinição, a partir de uma ação de Zilda Neves da Silva Ferreira, empregada doméstica de São José do Rio Preto (SP). Em 2013, ela sofreu lesões graves ao ser arremessada dentro de um ônibus da empresa Expresso Itamarati. A vítima ficou inválida para o trabalho e pediu indenização.
Zilda venceu em duas instâncias, mas a empresa recorreu ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) para aplicação da Selic, em vez do regime tradicional de 1% ao mês mais correção monetária. Em 2024, o tribunal resolveu a disputa em julgamento apertado: por maioria, definiu que a Selic deveria ser usada.
A indefinição se deu devido ao fato de que o Código Civil de 2002 dizia que os juros de mora seguiriam os aplicados aos tributos federais, mas não especificava se seriam os 12% ao ano previstos no Código Tributário Nacional ou a Selic. Durante anos, a maioria dos tribunais aplicou 1% ao mês mais correção.
Na sequência da decisão do STJ, veio a Lei nº 14.905/2024, que alterou o artigo 406 do Código Civil e cravou expressamente a Selic como índice a ser aplicado. Mas a lei só vale para frente, a partir de setembro do ano passado, permanecendo, portanto, a indefinição quanto aos casos anteriores à lei.
Segundo Leonardo Amarante, advogado de Zilda, o pedido de modulação dos efeitos do julgado já havia sido feito no STJ antes do caso chegar ao STF, mas o STJ não se posicionou propriamente sobre o pedido, tendo afirmado que sua jurisprudência sempre teria sido em favor da aplicação da Selic.
Folha Mercado
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“Sustentamos que, quanto às situações pretéritas, deveria ser mantido o entendimento dado em cada caso, ainda que não esteja de acordo com a Lei nº 14.905/2024. Isto é, nos casos cíveis em que, anteriormente a setembro de 2024, definiu-se outro índice de juros e correção, deve ser mantida a decisão daquele caso”, afirmou Amarante.
Para Leonardo, a Selic não garante reparação integral, que é um princípio do direito civil que busca recompor a vítima de forma plena, de modo que o valor da indenização compense de maneira justa o dano sofrido. Esse princípio tem como fundamento a dignidade da pessoa humana e a ideia de que quem sofreu um prejuízo deve ser colocado, tanto quanto possível, na mesma condição em que estaria se o dano não tivesse ocorrido.
Amarante afirma que essa reparação fica comprometida porque a Selic foi criada como instrumento de política monetária e não necessariamente garante a preservação do valor real da indenização.
Em momentos de Selic baixa, como em 2020, por exemplo, durante a pandemia de covid-19, a taxa chegou a 2% ao ano enquanto a inflação foi maior, gerando o que especialistas chamam de “juros negativos”, situação em que a vítima recebe menos em termos reais e o devedor se beneficia da demora no processo.
“Havendo situações em que o crédito judicial não irá aumentar, o credor que não está em posse de seu capital não é recompensado por isso, o que consiste em absoluta contradição lógica sobre o papel de juros de mora”, afirma Amarante.
O advogado Luiz Gustavo Bichara, que representa a CNSeg (Confederação Nacional das Seguradoras), contudo, afirma que a indenização está limitada ao dano em si, não podendo gerar benefícios adicionais ao devedor ou à vítima.
“O fato de a Selic ser flutuante não traz qualquer insegurança, muito menos viola a isonomia ou deixa de conceder ao credor a reparação integral do dano. Por outro lado, condenações judiciais submetidas a juros de mora à elevada taxa real de 1% ao mês destoam do contexto de justa reparação e conduzem a um cenário no qual o credor civil passa a fazer jus a uma remuneração superior a qualquer aplicação financeira bancária”, diz.
Enquanto para os credores a mudança significa perda de valor, para as empresas, a decisão do STF traz previsibilidade e segurança jurídica, afirma. A Selic já é aplicada em dívidas tributárias e trabalhistas, e agora passa a ser o índice único também nas relações civis. Isso reduz o risco de contingências bilionárias.
“A adoção da taxa Selic para as dívidas civis, pela confirmação dessa orientação pelo STF, traz harmonia ao sistema jurídico e econômico, assim como maior empoderamento ao mecanismo de intervenção do Banco Central no seu objetivo inflacionário baixo, estável e previsível”, afirma Bichara.
Amarante afirma que aguarda a publicação oficial do acórdão e que de certo serão apresentados embargos de declaração.
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Fonte ==> Folha SP