Em 26 de novembro de 2025, a ministra das Finanças do Reino Unido, Rachel Reeves, apresentará seu segundo Orçamento. Será um evento constrangedor, tanto para ela quanto para o governo. Reeves terá de admitir que a tentativa de silenciar dúvidas sobre sua capacidade de cumprir as metas fiscais até o fim desta legislatura, supostamente asseguradas em seu primeiro Orçamento, no ano passado, fracassou.
Ela terá de aumentar impostos novamente, ainda que isso implique violar promessas de campanha. Na verdade, ela praticamente admitiu isso em seu discurso desta terça-feira (4), ao afirmar: “Se a pergunta é o que vem primeiro, o interesse nacional ou a conveniência política, para mim é o interesse nacional todas as vezes, e o mesmo vale para Keir Starmer.”
A ministra deve, de fato, prometer um aperto fiscal. Não tanto por causa das regras que impôs, embora essas promessas devam ser mantidas sempre que possível, mas porque os mercados demonstram ceticismo em relação às perspectivas fiscais do país. O Reino Unido depende fortemente de capital estrangeiro e, ainda que a proporção entre dívida líquida e PIB não seja extrema em padrões internacionais, ela é desconfortável. É preciso reconstruir as margens de segurança fiscais.
Também está claro que o governo não tem disposição, e talvez nem capacidade, para cortar gastos. Assim, aumentar impostos é inevitável. A questão é se isso pode ser feito sem prejudicar ainda mais o desempenho econômico. A única chance é substituir impostos ruins por melhores, na esperança de que, no longo prazo, isso favoreça o surgimento de uma economia mais dinâmica.
Segundo o Instituto de Estudos Fiscais (IFS), “a arrecadação tributária como proporção da renda nacional deve atingir um recorde britânico de 37,4% em 2026-27”. Ainda assim, o índice não é alto em comparação com o restante da Europa. Para fins práticos, portanto, deve-se considerar o nível atual de gastos, que impulsiona os tributos, como dado.
A abordagem correta para a tributação está descrita no Green Budget, relatório anual do IFS, que afirma que “em geral, e salvo bons motivos para se desviar disso, o sistema tributário deve tratar atividades semelhantes de maneira semelhante”. O problema é que o do Reino Unido não faz isso. “Ignorar esse princípio costuma gerar injustiça e ineficiência, já que as pessoas tomam decisões baseadas no que reduz mais sua conta de impostos”, argumenta o IFS.
A esse princípio de neutralidade soma-se o da progressividade: os mais ricos devem arcar com uma carga proporcionalmente maior. Isso já ocorre no Imposto de Renda. De acordo com o IFS, “os impostos diretos são hoje mais baixos para a classe média do que em qualquer outro momento desde meados da década de 1970”. Um estudo da Biblioteca da Câmara dos Comuns mostra que, no período de 2022 a 2023, o 1% mais rico da população ganhou 13% da renda total, mas pagou 29% do imposto de renda, proporção que era de 21% no período de 1999 a 2000.
O problema crucial é que a falta de neutralidade está em toda parte no código tributário britânico. Os empregados pagam mais impostos do que autônomos ou aposentados; há “degraus abruptos” nas alíquotas marginais, em que um pequeno aumento de renda gera grande perda de benefícios; emigrantes conseguem evitar impostos sobre ganhos de capital vendendo ativos após deixarem o país; doações feitas mais de sete anos antes da morte são isentas do imposto sobre heranças —permitindo que herdeiros de grandes fortunas escapem totalmente da tributação.
Folha Mercado
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As distorções se multiplicam em todo o sistema de impostos sobre o capital. A lista de inconsistências é interminável. Ninguém ou, ao menos, ninguém sensato, teria criado um sistema tão absurdo.
Um dos exemplos mais gritantes está na variedade de bens isentos do imposto sobre valor agregado (IVA). O economista Tim Leunig escreveu um artigo revelador sobre essa aberração para a organização Nesta. Ele cita, por exemplo, “a diferença entre uma barra de granola e um “flapjack” (tipo de bolo de aveia). A primeira paga VAT, o segundo não”. Leunig argumenta que, se todas essas isenções fossem eliminadas, seria possível aplicar VAT sobre alimentos, roupas infantis e produtos como pasta de dente, e ainda assim tornar os pobres apenas um pouco mais pobres, pois a receita permitiria reduzir a alíquota geral de 20% para 10%. Ou, mantendo a alíquota mais alta, o dinheiro poderia ser usado para financiar políticas que beneficiem os mais pobres muito mais do que flapjacks baratos.
O sistema de tributação de propriedades também é um caos: o imposto municipal é calculado com base em valores de 1991, e as residências mais caras pagam alíquotas proporcionalmente baixas. John Muellbauer, da Universidade de Oxford, propõe substituir o imposto municipal dos dois níveis mais altos, que abrangem cerca de 1,14 milhão de imóveis na Inglaterra e no País de Gales, por um imposto anual sobre o patrimônio imobiliário de 0,5% do valor do imóvel, com possibilidade de adiamento no caso de aposentados com ativos, mas pouca liquidez.
Ele também recomenda um imposto sobre o valor de terrenos não utilizados, que incentivaria o desenvolvimento. Eu preferiria abolir o imposto de selo, mas Muellbauer discorda.
Outra frente é a tributação de “males”, sendo o principal deles a poluição. O ideal seria adotar um imposto sobre carbono em vez do imposto sobre combustíveis, acelerando a transição energética, com a arrecadação devolvida à população. No mínimo, deveríamos pensar em generalizar a cobrança pelo uso das estradas.
Há ainda a questão da tributação das empresas. Todos os tipos de gastos, correntes e de capital, deveriam ser dedutíveis no mesmo ano em que ocorrem. Como financiar isso? Uma possibilidade seria acabar com a dedutibilidade de juros. Esse benefício fiscal estimula o endividamento em detrimento do financiamento por ações, aumentando o risco à estabilidade econômica. Sem essa dedução, a alíquota do imposto corporativo poderia ser reduzida. Um movimento em direção a uma economia financiada por capital próprio poderia ser benéfico tanto para a estabilidade quanto para o crescimento.
Tudo isso apenas arranha a superfície. O sistema tributário do Reino Unido é um caos. A ministra precisa ter coragem para promover uma reforma radical.
Fonte ==> Folha SP