Utilizando uma técnica de modelagem 3D da arquitetura de plantas, pesquisadores da Embrapa descobriram como a aplicação de reguladores de crescimento vegetal (PGR, na sigla em inglês) e um manejo estratégico de irrigação podem aprimorar a qualidade e a produtividade de grãos de café arábica, mesmo em situações de seca.
A falta de homogeneidade na maturação dos frutos é um dos desafios da cafeicultura, por impactar diretamente na composição química dos grãos e, consequentemente, na qualidade final da bebida. Bagas não maduras podem conferir um sabor “adstringente, herbáceo ou de feno”, prejudicando a classificação do café.
O estudo, que utilizou de forma inédita análises arquitetônicas da distribuição das bagas e modelagem funcional-estrutural de plantas (FSPM), deve ajudar a contornar o problema.
A pesquisa foi liderada por Miroslava Rakočević e contou com a participação de Eunice Reis Batista, Fabio Takeshi Matsunaga, da UniSenai, de Londrina (PR), e de Maria Brígida dos Santos Scholz, do Instituto Agronômico do Paraná (Iapar).
A pesquisa utilizou ferramentas avançadas de modelagem funcional-estrutural de plantas para simular como as plantas respondem aos diferentes manejos. As simulações mostraram, em alta resolução, como a arquitetura da planta, a distribuição dos ramos e a posição dos frutos afetam tanto a captação de luz quanto o desenvolvimento dos grãos.
“O que a modelagem ajuda a mostrar é que há uma diferença grande, se a gente observa a ecofisiologia – ou seja, a transpiração, a fotossíntese e assim por diante – na escala de folhas, e na escala da planta”, diz Miroslava. Ela explica que cada folha que se encontra no caminho dos raios solares, absorve e transmite a luz para as demais partes. “Porque a integração não é uma simples multiplicação.”
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Reguladores de crescimento para um café de qualidade
Os pesquisadores utilizaram o café arábica da variedade Catuaí Vermelho IAC 144 e focaram em dois PGRs principais: o ácido giberélico (GA3) e o Ethephon. Ambos se mostraram fundamentais para atingir a maturação homogênea das bagas.
O GA3 foi particularmente eficaz, demonstrando maior efeito positivo na maturação dos frutos. Plantas tratadas com o hormônio vegetal apresentaram uma maior proporção de bagas vermelhas (maduras) em relação à biomassa total. Além disso, notou-se um menor teor total de ácido clorogênico (CGA) nos grãos de café, o que é um indicativo de qualidade superior.
O Ethephon é conhecido por promover o amadurecimento e a abscisão de frutos – isto é, a queda natural quando estão maduros. A pesquisa mostrou que, embora possa induzir a queda de folhas, o PGR não comprometeu a fotossíntese da planta e aumentou os polifenóis totais do grão de café, levando a uma maior produção de bagas em certas partes da planta.
A combinação de GA3 e Ethephon se mostrou crucial para a produção sustentável de bagas, contribuindo para a homogeneidade e qualidade do grão.
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Irrigação estratégica: aliada da produtividade do café
Para regiões do Brasil que enfrentam longos períodos de seca, a pesquisa revelou ainda que um período curto e sustentável de irrigação, realizado seis semanas antes da colheita, é significativamente benéfico para as plantas de café.
As plantas que receberam essa irrigação apresentaram uma produtividade maior de bagas vermelhas e totais em comparação com as não irrigadas. A irrigação foi essencial para preservar a área foliar e a fotossíntese da planta inteira, fatores cruciais para a saúde e produtividade da lavoura.
Embora a irrigação possa, em alguns casos, atrasar ligeiramente a maturação, esse atraso é compensado por melhorias significativas na composição química dos grãos, com aumento nos teores de lipídios e cafestol (kahweol), componentes essenciais para o aroma e o sabor do café.
Outro achado relevante foi a confirmação do papel estratégico dos ramos de terceira ordem na produção de café. O manejo tradicional, em geral, foca nos ramos de segunda ordem.
A modelagem 3D mostrou que os ramos de terceira ordem são responsáveis por até 37% das bagas vermelhas e 25% das verdes, principalmente nas plantas irrigadas. Isso significa que práticas como podas e manejo da copa precisam considerar a importância desses ramos para garantir uma safra de café com mais produtividade e equilíbrio.
Sustentabilidade e adaptação do café às mudanças climáticas
O estudo confirma que é possível produzir café de alta qualidade mesmo sob estresse hídrico, desde que haja manejo eficiente da água e uso criterioso de reguladores de crescimento. Essa estratégia é particularmente valiosa para produtores que enfrentam floradas desuniformes — uma realidade comum nas regiões produtoras — e que buscam melhorar tanto o rendimento quanto a qualidade sensorial do café.
Além dos benefícios econômicos, as práticas recomendadas no estudo também são mais sustentáveis, pois evitam o uso excessivo de água e produtos químicos, ao mesmo tempo em que mantêm a planta saudável e produtiva. A pesquisa abre novos caminhos ainda para uma cafeicultura mais resistente às mudanças climáticas.
Fonte ==> Gazeta do Povo.com.br