Projetos de infraestrutura avançam longe dos holofotes – 30/08/2025 – Ana Paula Vescovi

A ilustração mostra um avião de médio porte pousando em uma pista de asfalto. A aeronave aparece em primeiro plano, ligeiramente inclinada para cima, com o trem de pouso ainda estendido e as duas turbinas visíveis.   Ao fundo, dos dois lados da pista, há uma grande ponte estaiada, com cabos em formato triangular sustentados por pilares altos e robustos. O desenho enfatiza a perspectiva: a pista segue em linha reta até o horizonte, onde se encontram as estruturas da ponte.   No canto esquerdo da grama que margeia a pista, vê-se uma pequena bandeira do Brasil. O céu é claro, em tom esverdeado e granulado, sem nuvens.   No rodapé direito, há a assinatura do artista: Amarildo.

Após décadas de reformas, com privatizações e criação de agências reguladoras, já é possível identificar o que dá certo na infraestrutura brasileira: projetos com boa modelagem, leilões mais disputados, operadores experientes e regulações mais previsíveis. Com incentivos para uma provisão mais eficiente, universal e segura para a população, cresce a capacidade de atrair investimentos privados.

No saneamento, o recente marco legal está permitindo leilões de blocos regionais, metas de universalização, aumento da competição e a entrada de operadores especializados, inclusive internacionais. Além de privatizações, as parcerias público-privadas passaram a precificar o direito à água e ao esgoto com metas exequíveis.

A despoluição da praia do Flamengo, no Rio de Janeiro, e a de Vitória ou o saneamento da região metropolitana de Maceió trouxeram benefícios concretos para a sociedade. Sergipe, Pará e ao menos outros seis estados vêm entrando no rol das concessões. Quatro estados privatizaram as suas companhias.

Na energia, o setor elétrico opera sob regulação madura, e há um novo caminho para as renováveis no mercado de carbono.

Na mobilidade, há leilões em blocos, com foco em desempenho e atendimento regional. A Nova Dutra trouxe leilão competitivo, tarifa previsível e compromisso de investimentos.

O Ministério dos Transportes tem feito um trabalho criterioso de revisão de contratos e redução de riscos regulatórios, e as concessões rodoviárias entraram num superciclo, bastante promissor. A engenharia contratual passou a importar tanto quanto a engenharia da obra.

As redes de telecomunicações se expandiram com o leilão do 5G, em 2021, e posterior regulamentação, com fomento para competição no mercado de banda larga, criando fortes participantes locais. Criaram-se as bases para o avanço da economia digital —cujo sucesso dependia dos municípios, por meio da atualização das leis de uso do solo para permitir a instalação de antenas.

Municípios que modernizaram suas legislações —hoje já mais de mil— concentram mais de 85% das estações de rádio base (ERBs) 5G, permitindo uma cobertura mais densa e eficiente. A conectividade de qualidade deixa de ser um privilégio urbano e passa a ser um vetor de inclusão produtiva, inovação e competitividade em escala nacional. Um importante exemplo é a digitalização e o provimento amplo dos serviços governamentais (por meio da plataforma e-Gov).

No setor portuário, a privatização da Codesa (Companhia Docas do Espírito Santo), pioneira entre as autoridades portuárias, inaugurou nova etapa de governança e investimentos, com impressionantes ganhos de produtividade. O leilão do Tecon 10, no porto de Santos, marca outro movimento relevante: o aumento da concorrência e da capacidade instalada, ainda que envolto em disputas judiciais e resistência de operadores históricos.

Em paralelo, a agenda regulatória modernizou instrumentos e reforçou a previsibilidade dos contratos —incluindo a outorga verde e os contratos de passagem. Esses ajustes tornam os portos brasileiros mais atrativos ao capital privado e alinham o setor às exigências de logística integrada, fundamento para o crescimento do comércio exterior.

Do seu lado, o BNDES desenvolveu esteiras para estruturação de projetos, coordenando com governos subnacionais, bancos multilaterais e o setor privado. A redução drástica dos subsídios ajudou a agência a encontrar uma nova vertente de atuação, ainda com espaço para aprender com as melhores experiências internacionais.

Há o desafio de equipar o Estado com capacidade técnica compatível, inclusive nos órgãos de controle. O empreendedor já chega com modelos financeiros avançados, engenharia de custos internalizada e know-how internacional. Em ambos os lados ainda faltam quadros estáveis, programas de trainees, engenharia proprietária. É preciso investir em formar mais engenheiros e profissionais para a gestão de contratos.

Os contratos precisam ser tratados como sistemas vivos. São longos —com prazos de 20, 30 anos—, mas não podem ser rígidos. Precisam prever gatilhos de reequilíbrio, fórmulas paramétricas para revisões automáticas, mecanismos de mercado que respondam a choques de preços e alterações regulatórias. Quanto mais exposto o contrato ao chamado “risco do príncipe” (risco de mudanças arbitrárias), maior o prêmio exigido —e maior o custo para o usuário final. Projetos mais previsíveis custam menos.

As agências reguladoras, por sua vez, precisam de capacidade técnica e institucional. Ainda há aquelas que operam sob forte influência política e sem mecanismos consistentes de fiscalização.

No financiamento, o desafio maior encontra-se entre o leilão e o take-out da dívida, momento em que um financiamento de curto prazo precisa ser substituído por uma engenharia financeira de longo prazo. Esse é o intervalo mais sensível, onde o risco percebido é maior e a estrutura de garantias, geralmente os recebíveis da concessão, ainda está em formação. A atuação contracíclica em coordenação com agências de fomento e o mercado de capitais permite travar a taxa de retorno do leilão, garantir recursos de transição e reduzir o custo do capital alavancado.

Esse conjunto de avanços forma a base de um ciclo promissor de investimentos em infraestrutura, a partir de uma trilha importante de aprendizados, supragovernamental. Há operadores globais instalados, capital interessado e, como há carência evidente por infraestrutura de qualidade —seja física ou digital—, as taxas de retorno são bastante atraentes.

O que falta é consolidar tudo isso sob uma agenda que una estruturação de projetos e regulação inteligente, com menos burocracia, estabilidade macroeconômica, com menor risco macro e custo de capital (sempre o ajuste fiscal) e segurança jurídica.

A infraestrutura brasileira não pode ser apenas promessa. É ativo institucional em construção. Mas, para dar o salto definitivo, muito além dos 2% do PIB atuais, é preciso que essa agenda silenciosa ganhe contornos mais técnicos, responsáveis e consistentes.



Fonte ==> Folha SP

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