O setor de energia eólica do País, que já vinha sofrendo uma grave crise no segmento onshore – com redução brusca de investimentos nos últimos dois anos, por causa dos cortes de geração por excesso de oferta, entre outros problemas –, levou um baque também no segmento offshore, que gera eletricidade a partir do vento que sopra em alto-mar.
Uma decisão recente do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), de criar um novo grupo de trabalho com prazo de 270 dias para discutir a regulamentação do setor eólico offshore, frustrou várias empresas que planejavam investimentos no curto prazo, de olho no potencial desse mercado no Brasil – que chegou a ser avaliado pelo Banco Mundial em US$ 168 bilhões até 2050.
A demora para o estabelecimento de um cronograma claro para a regulamentação e, por tabela, realização de leilões para concessões de parques eólicos na costa brasileira, já havia levado pelo menos duas gigantes do setor – a dinamarquesa Copenhagen Infrastructure Partners (CIP) e a australiana Corio Generation – a suspenderem aportes bilionários, redirecionando investimentos para outros mercados, como Colômbia, Chile e Taiwan.
Com a resolução aprovada pelo CNPE, o grupo de trabalho, que terá coordenação do Ministério de Minas e Energia (MME) e participação de 23 instituições, deverá definir a regulamentação do marco legal das eólicas offshore no final do primeiro semestre de 2026.
A possibilidade de o primeiro leilão ocorrer apenas em 2027, por causa do calendário eleitoral do ano que vem, não é descartada por empresas do setor. Por isso, a sensação geral entre agentes do setor é de mais uma oportunidade perdida pelo Brasil.
Após a aprovação da regulamentação, o IBP (Instituto Brasileiro do Petróleo e Gás) calcula que as novas regras destravariam investimentos imediatos de US$ 2 bilhões (cerca de R$ 11 bilhões).
Marcello Cabral, diretor de novos negócios da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), que representa a indústria do setor, admite que seria crucial que as empresas investissem em eólica offshore o quanto antes.
“O primeiro parque só entrará em operação em 8 a 10 anos, e essa fonte será necessária para atender a futuras grandes cargas, como de data centers e hidrogênio verde, e cumprir metas de descarbonização”, afirma. Mas ele argumenta que o prazo de 270 dias, embora pareça longo, traz previsibilidade para as empresas.
“Essa era a maior cobrança do setor, a definição de um prazo, para que as empresas se organizem e possam planejar a alocação de recursos”, diz. “Além disso, a diretriz do CNPE formaliza e cria sinergia para o grupo de trabalho, que já atuava informalmente há quase um ano sob a coordenação do MME”.
Entre as principais questões que o grupo de trabalho deverá estabelecer estão a definição locacional prévia (áreas geográficas da costa brasileira que serão consideradas potenciais para a instalação de parques eólicos offshore), as sanções aplicáveis em caso de descumprimento de obrigações, critérios de qualificação técnica e econômico-financeira, e criação de um Portal Único de Gestão de Áreas Offshore.
Cabral diz que a regulamentação pode ser “fatiada”, priorizando a cessão de áreas “permanentes” (ou independentes), onde o ente privado sugere a área a ser explorada. “Este modelo é mais rápido de regulamentar do que a cessão ‘planejada’, na qual o governo precisa realizar estudos demorados para escolher as áreas a serem ofertadas”, emenda.
Segundo ele, critérios de qualificação técnica e de sanções já estão bem avançados, o que pode permitir a antecipação de leilões para antes do fim do prazo de 270 dias.
Logística complexa
Projetos de energia eólica offshore são significativamente mais caros que os onshore, podendo custar até o dobro ou mais.
Um projeto onshore é avaliado entre US$ 1,3 milhão a US$ 1,8 milhão por megawatt (MW) instalado, enquanto essa conta para um parque offshore sai entre US$ 3 milhões e US$ 5 milhões por MW instalado.
A logística complexa em alto-mar, incluindo o custo de turbinas maiores, fundações marítimas e cabos submarinos, onera os projetos offshore – apesar desses custos terem diminuído 60% nos últimos cinco anos.
O potencial desse mercado no Brasil é estimado em mais de 700 GW – que representam 3,3 vezes a capacidade instalada total de geração de energia elétrica do Brasil em 2025, que é de cerca de 212,5 GW.
O interesse inicial de 103 projetos registrados no Ibama soma 240 GW. No entanto, de acordo com Cabral, uma avaliação mais realista, excluindo especulações e desistências – como da CIP e da Corio –, aponta para um interesse fundamentado de pelo menos 100 GW.
Apesar da desistência de empresas estrangeiras – só a dinamarquesa CIP planejava construir quatro parques eólicos, com capacidade de gerar 7,2 GW -, o diretor da Abeeólica cita empresas que estão aguardando a definição das regras e continuam com forte interesse no Brasil, como a Ocean Winds (joint-venture de EDP e Engie), Neoenergia, Petrobras e Equinor.
Enquanto o mercado brasileiro aguarda a definição das diretrizes para realização do primeiro leilão de áreas para geração eólica offshore, dois projetos em escala piloto avançam.
Em junho, o Ibama concedeu a primeira licença prévia para um projeto offshore do País, no município de Areia Branca (RN), liderado pelo Instituto Senai de Inovação em Energias Renováveis (ISI-ER).
O projeto vai operar como “sítio de testes” para a realização de estudos que ajudem a subsidiar investimentos do setor e prevê a instalação de dois aerogeradores, com potência somada de 24,5 megawatts (MW), a uma distância de 15 a 20 quilômetros da costa.
Rodrigo Mello, diretor do Senai-RN e do ISI-ER, disse que o novo prazo do CNPE não interfere na construção da planta-piloto, uma vez que projetos experimentais não dependem dessa regulamentação.
“Pretendemos trazer respostas a perguntas do setor, desenvolver tecnologias, cadeia de fornecedores e conteúdo nacional, que são atividades que devem andar antes, quando possível, das atividades econômicas em condições de produção industrial”, diz Mello.
Na semana passada, a Petrobras recebeu propostas de sete empresas para realizar serviços de aquisição, processamento e interpretação de dados geofísicos em águas ultrarrasas em São João da Barra (RJ), nas proximidades do Porto do Açu.
Os trabalhos são necessários para avaliar as condições de instalação de uma planta piloto de eólica offshore, de 18MW de capacidade, na área. Segundo a estatal, a geologia do trecho raso, com lâmina d’água de cerca de 20m, próximo ao Açu, é pouco conhecida.
Os custos elevados dos projetos, que causaram redução de investimentos offshore em outros países, porém, levam Cabral a ser realista quanto ao cenário no médio prazo.
“A meta inicial é instalar 1 gigawatt de capacidade eólica offshore nos próximos 10 anos”, afirma. “A longo prazo, em 20 a 30 anos, espera-se atingir entre 10 e 15 gigawatts, um crescimento gradual que não deve competir diretamente com as fontes onshore e solar.”
Crise onshore
Um agente do setor energético que preferiu não se identificar observa que a fonte eólica offshore é mais importante em países da Europa, que não dispõem de terrenos para expandir as plantas eólicas onshore.
Para o Brasil, segundo esse agente, o grande atrativo é a possibilidade de atrair a indústria de óleo e gás para a transição energética, adotando sua tecnologia de plataformas nos parques eólicos offshore.
“Projetos eólicos offshore são de grande escala e tendem a ser integrados a outras infraestruturas, como portos e plantas de hidrogênio/amônia, para maximizar a eficiência e viabilizar o escoamento, pois não haveria rede para eles”, afirma.
A demora para regulamentação, de acordo com a fonte, não é problema. “A prioridade imediata do setor não são novos investimentos de longo prazo, mas sim resolver o problema de curtailment da energia eólica e solar, que causa desequilíbrio financeiro.”
A preocupação com a energia eólica onshore é justificada. Em 2023, o segmento fechou o ano com R$ 5,6 bilhões de investimentos e 5 GW de nova capacidade agregada ao sistema. Em 2024, os investimentos caíram para R$ 1,8 bilhão, agregando 4 GW de capacidade. Para este ano, estão previstos apenas 2 GW de nova capacidade.
Cabral, da Abeeólica, atribui a crise no setor a uma “tempestade perfeita” no período, que inclui o curtailment – os cortes de geração por excesso de oferta pelo Organizador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) -, baixa demanda, crescimento do PIB abaixo do esperado e, principalmente, a expansão desordenada da geração distribuída (GD), que possui retornos muito superiores e drena o crescimento do mercado.
Mesmo assim, afirma, o investimento em eólicas offshore vai compensar no médio prazo.
“Os parques onshore produzem em média 100 megawatts (MW), enquanto os offshore vão produzir em gigawatts”, compara. “Ou seja, terão capacidade de entregar energia em grande escala e de alta qualidade, renovável e com segurança, além de criar uma indústria nova para o Brasil que representa um novo pré-sal, só que descarbonizado”, afirma Cabral.
Fonte ==> NEOFEED