Lula desmancha base no Congresso por embate do IOF

Lula desmancha base no Congresso por embate do IOF

A derrota do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na derrubada do decreto que aumentava o IOF, na quarta-feira (25), expôs a fragilidade da base aliada no Congresso e intensificou o desgaste entre o Planalto e os parlamentares. Diante do revés, a gestão petista voltou a recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para buscar uma saída, em um movimento que pode aprofundar o distanciamento com partidos do centro e agravar a crise de articulação política. Na sexta-feira (27), a Advocacia-Geral da União (AGU) confirmou que foi acionada para avaliar medidas judiciais.

Dos 383 deputados que votaram favoravelmente ao Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 314/2025, 242 pertencem a partidos que têm cadeiras na Esplanada dos Ministérios. As siglas União Brasil, PSB, PP, PSD, Republicanos, MDB e PDT, juntas, ocupam 14 pastas na gestão Lula. Por outro lado, apenas 98 deputados votaram contra a proposta.

Após aprovação na Câmara, a matéria foi encaminhada e aprovada no Senado Federal. O texto tramitou em votação simbólica, modalidade que não depende dos votos nominais dos senadores. Apenas a bancada do PT e o senador Weverton (PDT) votaram contra.

Para o cientista político Juan Carlos Arruda, CEO do Ranking dos Políticos, a derrubada do decreto do IOF vai além de uma derrota pontual para o governo e escancara o desmonte da base parlamentar do presidente Lula. Apesar de ter distribuído cargos em 14 ministérios, o Planalto não consegue converter esse loteamento em apoio nas votações.

“A votação que derrubou o decreto do governo sobre o IOF é mais do que uma derrota pontual. Ela expõe, de forma clara, o desmanche da base parlamentar de Lula”, afirma. “Dos 383 votos a favor da proposta, 242 vieram de partidos que controlam 14 ministérios. Isso mostra que, apesar de um amplo loteamento da Esplanada, o governo não consegue mais converter cargos em votos.”

A decisão de recorrer ao Judiciário gerou mal-estar entre os parlamentares da base, que enxergam na ofensiva do Planalto uma escalada no conflito entre Executivo e Legislativo. Nos bastidores do Congresso, o sentimento relatado por interlocutores é de que o governo sepultou a governabilidade em troca de um imposto.

Além do anúncio do governo, o PSOL protocolou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) para anular a decisão do Legislativo. A legenda acusa o Congresso de ter invadido prerrogativas do Executivo e pede que a norma seja suspensa de forma imediata.

Nesta segunda-feira (30), o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), voltou a defender a derrubada do aumento do IOF e afirmou que não “traiu” o governo com a votação da medida.

“Capitão que vê o barco indo em direção ao iceberg e não avisa não é leal, é cúmplice. E nós avisamos ao governo que essa matéria do IOF teria muita dificuldade de ser aprovada no Parlamento”, disse Hugo Motta em um vídeo para as redes sociais.

Para o cientista político Elton Gomes, professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), a judicialização do caso no STF “pode empurrar parlamentares direto para a oposição aberta, diminuindo ainda mais a base de apoio congressual que ele tem hoje”.

Governo acumula derrotas em menos duas semanas

A derrota do IOF vem na esteira de outras derrotas do governo no Congresso. Em 17 de junho, os congressistas derrubaram 11 vetos presidenciais em diversas matérias que importavam ao governo. Dentre elas, houve a derrubada de vetos presidenciais que resgatam dispositivos que concedem subsídios e isenções para setores como químico, siderúrgico e de fertilizantes, além de mecanismos de incentivo à geração offshore de energia — especialmente eólicas no mar.

O governo havia vetado tais trechos por considerar que eles desequilibram a política fiscal e impõem encargos adicionais à tarifa energética. Com a derrubada dos subsídios, a Associação dos Grandes Consumidores de Energia estimou que os benefícios setoriais podem gerar um custo adicional de até R$ 197 bilhões até 2050.

Ao todo, 347 deputados e 48 senadores votaram para derrubar o voto de Lula. Além disso, 63 deputados do próprio PT – partido de Lula – votaram contra o veto presidencial. O apoio à rejeição também veio com força de partidos do Centrão e da base: União Brasil (39), Republicanos (37), PSD (33), MDB (28), PDT (11) e PSB (10). No Senado, 7 congressistas do PT apoiaram a derrubada do veto. Também votaram contra o veto outros partidos da base governista, como MDB (10) e PSD (11).

Em entrevista ao jornal O Globo, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), defendeu um “ajuste geral” na articulação política após a derrota no Congresso. Segundo ele, a responsabilidade é compartilhada por Câmara e Senado. “O problema ocorre nas duas Casas”, disse.

Emendas contribuíram para derrota de Lula no Congresso

A insatisfação com a demora na liberação das emendas parlamentares é considerada um dos fatores centrais para a derrota do governo IOF. Seja do Centrão ou da base, parlamentares mostram descontentamento nos bastidores sobre o posicionamento do governo. A avaliação é de que o Executivo segurou os recursos destinados pelos congressistas para formar caixa na União e compor o arcabouço fiscal.

O governo, por outro lado, se defende das alegações ao afirmar que em 2025 os recursos foram liberados de forma mais rápida. Segundo a Secretaria de Relações Institucionais (SRI), nos 50 dias úteis após a sanção do Orçamento, o governo pagou R$ 408 milhões neste ano em emendas, o equivalente a 1,78% do total. No ano passado, o mesmo período teve 0,35% de liberação de emendas, e em 2023, 0,61%. Veja abaixo os dados divulgados pela secretaria.

Antes da votação na Câmara, o Palácio do Planalto havia empenhado, na segunda-feira (23), R$ 897,7 milhões em emendas parlamentares, valor que subiu para R$ 1,72 bilhões nesta terça (24). O volume, no entanto, não foi suficiente para garantir uma reviravolta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Na esteira dos números, a ministra Gleisi Hoffmann, da Secretaria de Relações Institucionais, chegou a afirmar que a derrubada do decreto de IOF pode afetar a liberação de emendas. “A derrubada dessa medida exigiria novos bloqueios e contingenciamentos no Orçamento, prejudicando programas sociais e investimentos importantes para o país”, disse Gleisi nas redes sociais.

Esquerda impulsiona discurso de “ricos vs pobres”

Além da judicialização, o governo procurou criar a narrativa de que o Congresso estaria defendendo os ricos enquanto o Executivo defende os mais pobres. Durante a discussão do requerimento que pedia a retirada do PDL da pauta, a deputada Érica Kokay (PT-DF) disse que existe uma tentativa deliberada de barrar qualquer avanço em direção à justiça tributária.

“Está-se construindo uma tentativa de impedir a taxação dos ricos neste país, dos ricos”, afirmou a parlamentar. Para ela, o PDL aprovado na Câmara é uma tentativa de blindar grandes fortunas.

Em coletiva de imprensa antes da votação do PL, o líder do PT na Casa, o deputado Lindbergh Farias (RJ), afirmou que a mudança no IOF forçará o governo a contingenciar cerca de R$ 12 bilhões do Orçamento ainda neste ano, afetando diretamente áreas sociais. 

Na avaliação do cientista político Paulo Kramer, a esquerda ainda domina o “tabuleiro da manipulação dos símbolos” e deve continuar explorando divisões sociais como estratégia de mobilização. 

“É certamente recorrendo à má e velha habilidade sua de mobilizar ressentimentos — ricos vs pobres, sulistas vs nordestinos, enfim, eles contra nós — que o lulopetismo e seus “puxadinhos” ideológicos procurarão se recuperar”, disse o cientista político.



Fonte ==> Gazeta do Povo.com.br

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