Quando a Justiça é Sitiada: Reflexões Sobre Ameaças e a Defesa da Democracia

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Eduardo Castro

Criminosos desafiam magistrados com ameaças e estratégias perigosas, enquanto a democracia brasileira enfrenta ataques velados e explícitos.

Imagine um cenário em que réus acusados de crimes bárbaros decidam paralisar o funcionamento de todas as varas criminais de dois estados inteiros. O motivo? Juízes que, segundo os próprios réus, são rigorosos demais. Enquanto isso, advogados sugerem ameaças de morte como ferramenta para afastar esses magistrados. Parece um roteiro distópico, digno de ficção.

Entretanto, no Sudeste brasileiro, essa realidade não é apenas possível; ela já se desenrola há anos. Desde 2018, 110 juízes foram ameaçados de morte pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), uma facção criminosa que se recusa a aceitar qualquer forma de resistência ao seu domínio. O que parece surreal é, na verdade, um retrato fiel de um Judiciário sitiado, onde cumprir a lei é um ato de bravura e resistência.

A Subversão do Código Penal: Quando o Direito É Deturpado

No centro dessa crise está a interpretação perversa do artigo 252 do Código de Processo Penal. Originalmente criado para garantir imparcialidade nos julgamentos, esse dispositivo passou a ser utilizado por criminosos como uma ferramenta para subverter a Justiça.

Fernandinho Beira-Mar e Marcola, líderes do crime organizado, foram pioneiros na manipulação desse artigo, criando justificativas para afastar juízes que não cedessem às suas demandas. O que antes era uma prática restrita ao submundo do crime ganhou um aliado improvável: um ex-presidente da República.

Jair Messias Bolsonaro, ao questionar a imparcialidade do Ministro Alexandre de Moraes, utiliza a mesma lógica distorcida que sustentou os argumentos de grandes criminosos. Ao alegar suspeição com base em ameaças de morte, o ex-presidente parece, inadvertidamente, admitir seu envolvimento em tais ameaças, uma vez que a lei exige que a causa da suspeição seja anterior ao início do processo. Essa contradição expõe a fragilidade de sua estratégia e o risco que ela representa para a credibilidade do Judiciário.

Juízes Sob Ameaça: O Preço da Toga

Os números não mentem: 110 juízes ameaçados de morte em menos de cinco anos. Ainda assim, nenhum deles foi afastado dos casos que envolviam os criminosos que os ameaçaram. Isso porque a jurisprudência brasileira tem sido firme na interpretação do artigo 252, restringindo a suspeição a causas prévias e independentes.

Essa firmeza é essencial para preservar a imparcialidade do Judiciário. Se ceder às pressões externas fosse uma opção, abriríamos as portas para um futuro em que bandidos escolhem os juízes que desejam enfrentar — ou melhor, os que preferem evitar.

Mas a questão vai além do texto da lei. No caso de Alexandre de Moraes, as ameaças não são apenas contra o homem por trás da toga, mas contra a própria democracia brasileira. Quando planos de assassinato incluem um Ministro do Supremo Tribunal Federal, o alvo real não é o indivíduo, mas o sistema político que ele representa.

A Fragilidade da Democracia e o Papel do Judiciário

A democracia brasileira, tão jovem e ainda em consolidação, é constantemente testada. A normalização de argumentos como os apresentados por Bolsonaro, que buscam distorcer a aplicação da lei, é um dos maiores desafios que enfrentamos.

O que está em jogo não é apenas o futuro de um processo judicial ou o destino de um magistrado, mas a essência das estruturas que sustentam a República. Permitir que estratégias baseadas em narrativas distorcidas prosperem é abrir mão da defesa da Justiça e, por consequência, da própria democracia.

Reflexões Finais: O Preço da Liberdade

Juízes que assumem a toga sabem dos riscos que enfrentam. Como soldados que marcham para a guerra, eles aceitam o fato de que talvez nunca voltem para casa. O senso de dever os move, mas também os coloca na linha de frente de uma batalha que deveria ser de todos nós: a luta pela manutenção da Justiça e da liberdade.

O que me entristece profundamente é perceber que, em vez de apoiar esses homens e mulheres, parte da sociedade escolhe aplaudir argumentos que enfraquecem o Judiciário. Aplaudir essas estratégias é permitir que criminosos — sejam eles traficantes ou ex-presidentes — ditem as regras do jogo.

Se continuarmos nesse caminho, não será apenas a Justiça que estará em risco, mas toda a estrutura que sustenta nossa liberdade. O preço da democracia é alto, mas não podemos permitir que seja pago com a submissão às narrativas daqueles que buscam destruí-la.

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