Em sua posse, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, afirmou que reduzir o tempo de espera por atendimento das pessoas que aguardam na fila do Sistema Único de Saúde (SUS) será uma obsessão de seu mandato. Disse também que irá envolver o setor privado, as universidades, estados e municípios nos debates sobre o assunto.
O problema é um dos mais dramáticos enfrentados pela população. Segundo informado recentemente pela imprensa, com base em dados obtidos do Ministério da Saúde, a espera por uma consulta médica pode chegar a dois anos e, por uma cirurgia, a 634 dias.
É tão aguda a carência de recursos na saúde pública que mais de 70% dos 5.568 municípios brasileiros não cumpriram as metas oficiais de medir a glicemia e de aferir a pressão arterial, uma vez a cada seis meses, de pelo menos 50% dos pacientes que precisam controlar esses marcadores. Os dados, referentes ao primeiro quadrimestre de 2024, são do Sisab (Sistema de Informação em Saúde para a Atenção Básica, mantido pelo Ministério da Saúde).
As consequências dessa carência são de enorme gravidade. Primeiro, para a saúde das pessoas, porque à falta de diagnóstico e tratamento precoce, o que era pressão alta ou uma taxa elevada de glicose pode evoluir para um AVC, para um quadro de neuropatia diabética grave ou de insuficiência renal. Segundo, porque o SUS terá de gastar mais para tratar pacientes com a condição de saúde agravada e chances de recuperação reduzidas.
Aumentar o investimento público é uma das formas centrais de atacar o problema. Mas, embora venham aumentando, os recursos destinados à saúde pública no Brasil ainda estão muito aquém do necessário —correspondem a 3,9% do PIB, contra a média superior a 10% dos países da OCDE—, e as possibilidades de alavancar esses gastos esbarram em limites fiscais bastante conhecidos. Por sua vez, a população que não tem condição de pagar por um plano de saúde para escapar da fila do SUS busca produtos alternativos, como as clínicas populares e os cartões de desconto, como mostra pesquisa recente do Instituto Locomotiva sobre o comportamento da chamada classe C (composta por 81 milhões de brasileiros). No setor da saúde estima-se que cerca de 60 milhões de brasileiros utilizem esse tipo de produtos de saúde.
Diante de realidade tão acachapante, não conviria pensar em políticas para integrar esforços públicos e privados a fim de reduzir as filas? Não seria razoável, seguindo o exemplo de cidades como Porto Alegre, pensar em aceitar no SUS diagnósticos obtidos no setor privado? Ou em integrar, no SUS Digital, os prontuários dos pacientes do setor privado? Com isso, o cidadão que paga impostos e recorre às clínicas populares não seria mais obrigado a refazer todo o processo de consultas e exames, caso tenha de entrar na fila para algum tratamento no SUS.
Alguns podem contra-argumentar que estaríamos, assim, aumentando as filas do SUS e não o contrário. Embora legítima, essa preocupação não encontra respaldo na realidade. Afinal, esses pacientes já são usuários do SUS. Além disso, a atenção primária e secundária que esses pacientes vão obter no setor privado pode resolver até 80% das demandas de saúde. Isso significa que, de cada dez pessoas que esperam na fila, oito poderiam sair dela ao receberem o diagnóstico e serem tratadas.
Assistimos, no primeiro mandato do presidente Luís Inácio Lula da Silva, à criação do Farmácia Popular. Nesse programa, que utiliza uma extensa rede de farmácias privadas, são aceitas indistintamente prescrições de médicos do setor público ou privado, e o seu êxito demonstra o quanto a população pode se beneficiar da união de esforços dos dois setores.
Por essas razões, vemos como muito importantes as iniciativas da Agência Nacional de Saúde no sentido de estabelecer uma regulação mínima para os cartões de desconto, que precisam ser formalizados e integrados ao sistema de saúde. E entendemos também como positivas as consultas públicas para estimular o surgimento de novos produtos voltados à atenção primária e secundária, resguardada sempre a necessidade de proteger os usuários nas definições regulatórias.
Universalidade e integralidade são princípios fundamentais do nosso sistema de saúde que devem ser preservados. E a melhor maneira de viabilizá-los é buscando e integrando recursos onde eles estiverem disponíveis. Afinal, quem está na fila do SUS tem pressa e um diagnóstico precoce pode fazer muita diferença.
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Fonte ==> Folha SP